Além das
operações matemáticas, das regras ortográficas e dos fatos históricos,
os princípios e conceitos das principais religiões também devem ser
discutidos em sala de aula. A Constituição Federal Brasileira determina
que a oferta do ensino religioso deve ser obrigatória nas escolas da
rede pública de ensino fundamental, com matrícula facultativa - ou seja,
cabe aos pais decidir se os filhos vão frequentar as aulas.Pesquisas
recentes e ações na Justiça questionam a inclusão da religião nas
escolas, já que, desde a Constituição Federal de 1890,o Brasil é um país
laico, ou seja, a população é livre para ter diferentes credos, mas as
religiões devem estar afastadas do ordenamento oficial do Estado.
Apesar
da obrigatoriedade, ainda não há uma diretriz curricular para todo o
país que estabeleça o conteúdo a ser ensinado, de maneira a garantir uma
abordagem plural sem caráter doutrinário. Outro problema é a falta de
critérios nacionais para contratação de professores de religião. Hoje, o
país conta com 425 mil docentes, formados em diversas áreas.
O
ensino religioso está presente no Brasil desde o período colonial, com a
chegada dos padres jesuítas de Portugal para catequizar os índios.
Atualmente,
de acordo com a Constituição, a disciplina deve fazer parte da grade
horária regular das escolas públicas de ensino fundamental. Em 1996, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definiu que as
unidades federativas são responsáveis por organizar a oferta, desde que
seja observado o respeito à diversidade religiosa e proibida qualquer
forma de proselitismo ou doutrinação."Alguns
historiadores que tratam da participação da religião na vida pública
mostram que o ensino religioso foi uma concessão à laicidade à época da
Constituinte. Havia uma falsa presunção de que religião era importante
para a formação do caráter, da vida e dos indivíduos participativos e
bons. Essa é uma presunção que discrimina grupos que não professem
nenhuma religião. Isso foi uma concessão à pressão dos grupos
religiosos", avalia a socióloga Debora Diniz, da Universidade de
Brasília (UnB).
Debora
é autora, junto com as pesquisadoras Tatiana Lionço e Vanessa Carrião,
do livro Laicidade e Ensino Religioso, publicado no último semestre. O
estudo investigou como o ensino religioso se configura no país e se as
escolas garantem, na prática, espaços semelhantes para todos os credos,
como preconiza a LDB. A conclusão é que não há igualdade de
representação religiosa nas salas de aula.
"Ele
é um ensino cristão, majoritariamente católico, e não há igualdade de
representação religiosa com outros grupos, principalmente os
minoritários", destaca Debora.
Há
mais de uma década acompanhando essa discussão, o Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso (Fonaper) reconhece que há muitos
desafios para garantir a pluralidade. Mas defende que o conteúdo é
importante para a formação dos alunos.
"Nós vislumbramos, desde a
LDB, que o ensino religioso poderia assumir uma identidade bastante
pedagógica, que fosse de fato uma disciplina como qualquer outra e que a
escola pudesse contribuir para o conhecimento da diversidade religiosa
de modo científico. O professor, independentemente do seu credo, estaria
ajudando os alunos a conhecer o papel da religião na sociedade e a
melhorar o relacionamento com as diferenças", aponta o coordenador do
Fonaper, Elcio Cecchetti.No
Rio de Janeiro, por exemplo, o ensino religioso é oferecido apenas nas
escolas estaduais. Nas unidades municipais, ainda não foi implantado,
mas há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Vereadores da
capital fluminense que prevê a oferta nas cerca de mil escolas da rede,
com frequência facultativa. A recepcionista Jussara Figueiredo Bezerra
tem dois filhos que estudam em uma escola municipal da zona sul do Rio
de Janeiro e acompanha com certo receio a discussão. Ela é evangélica e
acredita que esses valores devem ser transmitidos em casa, pela família.
"Quem
são os professores que vão dar as aulas de religião? Será que eles
serão imparciais? Além disso, com tantas dificuldades e carências que o
ensino público já enfrenta, por que gastar dinheiro com isso? Esses
recursos poderiam ser usados de outra forma, para melhorar a estrutura
já existente nas escolas. Quem quiser aprender mais sobre uma religião
deve procurar uma igreja ou uma instituição religiosa", opina.
Para
quem lida na ponta com os delicados limites dessa questão, torna-se um
desafio garantir um ensino religioso que contemple as diferentes
experiências e crenças encontradas em uma sala de aula. "Nós
preferiríamos que a oferta do ensino religioso não fosse obrigatória
porque a escola é laica e deve respeitar todas as religiões. O que a
gente quer é que os dirigentes possam utilizar essas aulas com um
proveito muito melhor do que a doutrinação, abordando o respeito aos
direitos humanos e à diversidade e a tolerância, conceitos que permeiam
todas as religiões", defende a presidenta da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho.
Atualmente,
duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) questionam a oferta
do ensino religioso no formato atual e aguardam julgamento no Supremo
Tribunal Federal (STF). Uma delas foi proposta pela Procuradoria-Geral
da República (PGR) e questiona o acordo firmado em 2009 entre o governo
brasileiro e o Vaticano. O Artigo 11 desse documento, que foi aprovado
pelo Congresso Nacional, determina que "o ensino religioso, católico e
de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental". Ao pautar o ensino religioso por doutrinas ligadas a
igrejas, o acordo, na avaliação da PGR, afronta o princípio da
laicidade.
[Fonte: Portal Terra]
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